Há muito tempo, quando os bichos falavam e o sol tinha fases como a Lua, dois reinos vizinhos entraram em guerra. Foram tantas as batalhas que a Morte quase se cansou de trabalhar. Levava gente da manhã à noite, mesmo aos domingos. Quando tudo terminou, sete anos depois, a gadanha dela tinha perdido o fio e quebrado a ponta. Então a Morte procurou um ferreiro, numa pequena aldeia, perto do último campo de batalha. Ele era um homem valente, não se assustou ao ver a Morte parada na porta. -Já chegou a minha hora? -Não. Preciso dos seus serviços. A Morte mostrou a gadanha. -Precisa de uma lâmina nova-o ferreiro disse. -Vai demorar um pouco. Melhor a senhora se sentar. -Eu nunca sento - a Morte respondeu. Entregou a gadanha e ficou num canto, confundida com as sombras. O ferreiro segurou a gadanha, sentiu o peso dela e disse: -Parece uma gadanha comum. -É uma gadanha comum, na mão dos outros - a Morte disse. O ferreiro trabalhou a noite toda. Pela madrugada, a gadanha tinha uma lâmina nova. Chegava a brilhar de tão afiada e pontuda. A Morte saiu das sombras, pegou a gadanha, examinou-a. -Ficou muito boa, ferreiro. Quanto lhe devo? -Nada -Então, obrigada. Até outro dia. -Espere aí. Quero um favor em troca. A Morte esperou. -Quero que a senhora me avise com antecedência. Para eu me preparar pra minha hora. -Avisarei - ela disse sem nem virar, e sumiu na rua. Anos e anos se passaram. O ferreiro nunca mais teve notícia da Morte. Na verdade até esqueceu dela. Uma noite, voltando pra casa, viu um brilho branco nas sombras. Eram os dentes da Morte sob o capuz preto. O ferreiro disse: -Tudo bem? Veio me avisar? -Não. Vim buscá-lo. -Mas como?! A senhora prometeu que ia me avisar com antecedência. -Eu avisei. -Não recebi aviso nenhum. -Seus cabelos ficaram brancos? -Ficaram. -Seu rosto se encheu de rugas? -Sim. -Suas pernas ficaram fracas? -Ficaram. Estou até usando bengala. -Suas costas encurvaram? -Encurvaram. -Então, ferreiro? Quantos avisos mais você queria? -Mas velho assim eu posso morrer com oitenta anos, com cem ou cento e vinte. Um aviso desses não me serve. Quero hora com lugar certos. -Está bem. Dentro de sete dias, aqui no jardim - a Morte disse e sumiu. O ferreiro ficou quieto, pensando. Sete dias não era muito. Precisava se apressar. Mas o ferreiro não se apressou. Nesses sete dias, fez o que sempre fazia, do jeito que sempre fazia. Apenas passou mais tempo com os netos, contando histórias. Quando o prazo se encerrou, ele estava no jardim, à espera da Morte. Ele não disse nada. Ela também não disse nada. Foram andando juntos como velhos amigos.